1995 foi (é) um ano histórico e nostálgico para o jornalismo angolano. Assassinato do Jornalista Ricardo de Mello e nascimento, a 24 de Março, do Jornal Folha 8.
O Jornalista angolano, Ricardo de Mello, foi assassinado na baixa de Luanda na madrugada do dia 18 de Janeiro de 1995 à porta de se sua casa com uma bala silenciosa e certeira, que, entretanto, não conseguiu atingir o alvo maior que era (e continua a ser) a liberdade de imprensa em Angola que deve ao Ricardo de Mello e ao seu pioneiro Imparcial Fax as primeiras e mais corajosas pedras colocadas nos alicerces de uma construção que se mantém demasiado frágil e que todos os dias é (re)edificada com um prognóstico que ainda está longe de ser definitivamente o mais favorável, quando não é mesmo contraditório, com algumas práticas que se verificam sobretudo ao nível da comunicação social governamental que tarda em ser pública, escreveu Reginaldo Silva.
O Ricardo foi-se aos 40 anos (mais ou menos). Provavelmente o seu assassino (executor) também já terá morrido. Mas os mandantes continuam por aí… “O Imparcial Fax adopta como linha de acção fundamental a denúncia dos atropelos dos Direitos Humanos, da corrupção considerada como o maior entrave ao desenvolvimento do país, bem como a crítica isenta e sistemática em relação aos poderes constituídos, institucionais ou privados”, assim estava redigido o ponto 4 do seu Estatuto Editorial.
O ponto 7 do mesmo documento do histórico Imparcial Fax referia o seguinte: “Os jornalistas do Imparcial Fax não poderão aceitar cargos governamentais, em partidos ou organizações de natureza política, nem desempenhar outro tipo de funções que possam comprometer a independência do jornal e do próprio jornalista.”
O Imparcial Fax foi durante cerca de um ano (1994/95) o único concorrente diário que o Jornal de Angola teve, depois do encerramento em 1976 do vespertino Diário de Luanda, igualmente por razões políticas.
Os jornalistas angolanos comprometidos com a liberdade de expressão e de imprensa, rememoraram a data como tendo sido aquela em que tombou uma das primeiras vítimas da barbárie da intolerância deste regime que “estamos com ele”; o assassinato do jornalista Ricardo de Mello, director do Imparcial Fax, na porta de sua casa, situada num prédio da Rua Direita de Luanda.
Ricardo, nós aqui, na trincheira do Folha 8, 27 anos depois do teu brutal e traiçoeiro assassinato, continuaremos a honrar a tua memória, por isso estamos juntos!
O trabalho de Ricardo de Mello à frente do “Imparcial Fax”, que é a sua trajectória profissional que mais conta agora e sempre, foi corajoso, mesmo até temerário.
Ele sabia dos telefonemas anónimos, das ameaças e das convocatórias policiais. Afrontar tantos e tão poderosos interesses instalados; desmistificar, como ele fazia, as “vacas sagradas” de um regime que em boa verdade nunca deixou de ser totalitário e policial, haveria um dia de implicar castigo. Aconteceu da única forma trágica que o regime (e os seus sinistros tentáculos), continua a conhecer para calar vozes incómodas. Como a de Ricardo de Mello.
Há um ano, o Jornalista Jorge Eurico escreveu no jornal O Kwanza o artigo “Ricardo de Mello (ainda) vive!”, que aqui reproduzimos:
«No dia 18 de Janeiro completar-se-á mais um ano desde que o fio da vida de Ricardo de Mello (jornalista, director, fundador e proprietário do «Imparcial Fax») foi abruptamente cortado. Foi na noite de 18 de Janeiro de 1995 que homens até hoje ainda não identificados decidiram (sem vacilar) cortar de forma fria, firme e barbaramente o fio da vida de um jornalista de 38 anos de idade que se preocupava simplesmente com a dignidade de Angola, acreditava (a)normalmente na sua missão e confiava exageradamente na pretensa democracia pós-91: Fernando Ricardo de Mello Esteves!
O assassinato do director do «Imparcial Fax», que teve como cenário um dos prédios situados na antiga rua Direita de Luanda, foi uma infeliz tragédia que revelou que ainda há pessoas em Angola que descem (e continuam a fazê-lo) tão baixo, ao ponto de manifestarem a sua discordância matando e que não aprenderam a discordar sem serem violentamente discordantes.
Ricardo de Mello incomodou, Ricardo de Mello desapareceu! Foi há 26 anos. Há políticos que querem que o nome do fundador e director do «Imparcial Fax», Ricardo de Mello, não mais seja invocado.
Contudo, quem for honesto, há-de convir que o pioneiro da imprensa privada em Angola, que está a passar por maus bocados, diga-se, foi um jornalista destemido, indomável e corajoso. Foi depois da sua morte que o panorama da Imprensa angolana passou a ser diferente. Disso devem lembrar-se os jornalistas angolanos e não só.
Ricardo de Mello incomodou, Ricardo de Mello desapareceu!
A então Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC), à época dirigida por Eduardo Sambo, jamais se preocupou verdadeiramente em deslindar o caso.
O jornalista foi extinto, afastado do nosso seio para sempre, mandado para o «País das Cem Ervas». Há quem considere que o devemos rebaixar, que devemos fugir até da presença da sua memória, que o excluamos da História dos nossos turbulentos tempos.
Ricardo de Mello incomodou, Ricardo de Mello desapareceu!
Há jornalistas (?) angolanos e estrangeiros que tapam os ouvidos quando o nome do então director do «Imparcial Fax» é invocado. Contudo, querendo ou não, tem de se admitir que Ricardo de Mello foi vítima de um sacrifício que abriu caminho para a existência dos semanários (à excepção do então “Comércio Actualidade” e do “Correio da Semana”) que hoje são editados e publicados na capital do país.
Ricardo de Mello incomodou, Ricardo de Mello desapareceu!
Cuidemos, pois, de nunca esquecer que a sorte de todos pode estar em jogo. Alguém conhece por aí o nome do próximo «Ricardo de Mello» em potencial? Seja ele quem for, e pode ser qualquer um de nós, tem direito à vida nas páginas deste jornal. Que disso se lembrem os que apertam o gatilho ou, e sobretudo, os que mandam apertar o gatilho!»